sexta-feira, 3 de junho de 2011

Conselho de educação revê parecer sobre obra de Monteiro Lobato

Estava na hora...


Viviane Cristina Cândido

"Conselho de educação revê parecer sobre obra de Monteiro Lobato". Este é o título da matéria publicada hoje pelo jornal Folha de São Paulo. O texto lembra que, anteriormente, o Conselho Nacional de Educação recomendava que o livro "Caçadas de Pedrinho", de Monteiro Lobato, não fosse distribuído nas escolas em razão de um “suposto teor racista”, conforme consta na referida matéria, e que estaria presente principalmente em passagens relativas à personagem tia Nastácia, como no trecho "Tia Nastácia, esquecida dos seus numerosos reumatismos, trepou, que nem uma macaca de carvão".
Talvez pudéssemos dizer que isso é bom, se não fosse tão absurdo. Afirmar que o Conselho Nacional de Educação emite uma resolução importante, é esquecer que a resolução anterior chega a ser uma afronta à possibilidade e capacidade de pensamento inteligente em nossas escolas em 4 tópicos:
1. Os livros de Monteiro Lobato são clássicos da literatura nacional – e é sabido como atualmente desmerecemos os clássicos considerando-os desatualizados na linguagem, pouco atraentes, etc. Tudo tendo em vista um grande referencial, o “MSN”...;
2. Caçadas de Pedrinho, entre outros, é, sempre foi e sempre será referência na formação da infância porque nele são tratados temas reais, em vidas reais e não idealizados pelo pensamento “democrático”;
3. Se é um escândalo dizer que tia Nastácia “trepou”, valeria repassar todos os programas de entretenimento voltados para a juventude e vetá-los, posto que o verbo trepar é utilizado com significado bem diferente daquele de Monteiro Lobato e, por sinal, pode-se dizer que é o verbo e o jeito mais delicado de falar diante da linguagem utilizada por tais programas;
4. Mas o problema não está no “trepar”, imagina. E sim no “que nem uma macaca de carvão", claro. Mulheres, objetos de desejo, podem ser chamadas de macacas, vacas, peras, melancias, samambaias, mas macaca de carvão é agressivo...
Vamos recordar... Quem poderá dizer que não guarda da tia Nastácia uma lembrança de uma senhora muito querida, sempre envolta no preparo de comidinhas gostosas, com suas crenças, seu jeito carinhoso e, ao mesmo tempo, austero de tratar das crianças, educando-as com limites e com amor? Quem não se lembra do seu jeito de rir da vida e, ao mesmo tempo, temê-la por saber que não tem o controle das coisas? Ela sempre soube que era preciso temer porque não conhecemos...
Acho que essa é a recomendação de tia Nastácia para nós hoje... Não se trata de contextualizar as obras, colocando-as no passado, imobilizando-as para lembrar às crianças, adolescentes e jovens que o que importa é o hoje. Mas  trata-se, isto sim, de ler o hoje com os olhos do passado e então tia Nastácia terá muito a nos dizer, inclusive sobre como foi e é amada por todos os que sabem que gente amar gente diferente – e diferentes são todos - é algo para se construir a cada dia, mais ou menos como um apostolado, ou como uma nova ordem todos os dias “só por hoje”.
Não adianta impor, via políticas públicas de educação, formas e fórmulas para tornar a convivência possível. Talvez seja preciso, e nisto acredito piamente, tornar a convivência possível em sala de aula, com o baixinho, o alto demais, o magrinho, o gordinho, o que usa óculos, o que tem espinhas, todas essas diferenças com as quais precisamos lidar e que, se não o fazemos, menos ainda seremos capazes de ver no negro, no índio, no homossexual ou no cigano o diferente, apenas os trataremos como diversidade e diversidade é coisa de ecologia: assumo que a diversidade é boa e importante nos parques que visito...
Sempre me lembro da resposta dos adolescentes no momento em que foram questionados sobre o fato de terem posto fogo num índio, que é “preservado”, disseram que pensaram que se tratasse de um mendigo... Entende? Mendigo pode...
Tia Nastácia sabia “ralhar” com os meninos e fazê-los saber que na vida há limites, frustrações, fracassos, mas que, na maioria das vezes, se conseguirmos ultrapassá-los - compreendendo-os, compreendendo a nós e aos outros, isso tudo acaba em momentos deliciosos na cozinha! Gosto mais dessa lembrança da boa e velha, querida tia Nastácia.

2 comentários:

  1. Partilho de suas reflexões e as endosso! Em literatura, não cabe censura, de nenhuma ordem!

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  2. É muito fácil fazer deste um grande problema, sendo que há tanto mais para se corrigir na educação no Brasil. Além desta censura sem propósito, o problema com materiais de língua portuguesa e de matemática do MEC ajuda a comprovar que não é feita uma leitura completa, mas sim parcial, que nos faz ter problemas com expressões como "trepar", no caso de Tia Nastácia, que é colocada como censurada por estar fora de contexto.

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