terça-feira, 15 de julho de 2014

Estudo da Religião na escola: Entre o crer e não crer, ensinar e aprender religião - Parte I

Estudo da Religião na escola: Entre o crer e não crer, ensinar e aprender religião
Viviane Cristina Cândido[1]

[...] quem é o homem? O cyborg é o produto último da forma como a pós-modernidade enfrenta o problema da vida,  de 
sua vontade de superar a realidade e transformá-la em impulsos do desejo subjetivo. Se não sabemos responder a tempo a
pergunta da esfinge é possível que nada mais tenha importância. Vega Rodríguez[2]


A educação do século XXI necessita superar antigas visões e abrir-se a compreensões mais amplas, capazes de dar conta dos educandos reais e em relação, presentes no contexto de nossas escolas e suas salas de aula. Para tanto, necessita buscar um olhar filosófico - de quem se interroga acerca das coisas pré-estabelecidas, que resulte na constituição de seus fundamentos.
Tendo em vista que essa busca por seus fundamentos pretende dar conta da realidade da escola, expressa na relação de educandos reais, em seu sendo - no sentido de um acontecendo, será  absoluta e igualmente necessário considerar que educandos e educadores alternam entre a posição de criaturas e de criadores, de crentes e descrentes, no sentido afirmado por Hubert Hannoun, que ao lado de autores como Daniel Dennett (2006) e Barbara Smith (2002), apontam que fé e crença não são pressupostos apenas da religião:

Pode-se assim afirmar que todo educador assume uma das duas atitudes possíveis: é crente ou descrente. [...] Quer esses valores se insiram numa abordagem teológica do mundo, de respeito aos direitos humanos com ou sem Deus, de um ideal político ou de uma visão da evolução geral do cosmos, o princípio inicial é proposto e reivindicado num ato de fé. [...] É sobre tal princípio – cujo caráter ao mesmo tempo absoluto e evolutivo já ressaltamos, que esse crente constrói seu comportamento de homem e de educador. Ele pensa e age a partir daquilo em que crê. (HANNOUN, 1998, PP. 84-85).

Aproximando-nos do pensamento de Franz Rosenzweig (1886-1929), compreendemos a realidade como, invariavelmente, multifacetada. Dela nos aproximamos e é necessário que tenhamos consciência da impossibilidade de dela nos apropriar, por seu caráter ora mutante ora cambiante, do que decorre que, se por acaso dela pudéssemos nos apropriar, já não a teríamos assim que tal apropriação acontecesse. Nas palavras de Heráclito, um rio nunca será o mesmo. Aurélio Buarque de Holanda, assim escreveu na introdução ao seu dicionário homônimo: “definir uma palavra é capturar uma borboleta no ar”. De nossa parte, consideramos que capturada a borboleta perdemos sua beleza, a beleza de seu vôo e, dessa forma, não mais temos a borboleta nem o traço de seu vôo.
Para nós, para fazer ciência e ensinar é preciso que se trave um sério exercício que permita nossa aproximação da realidade e nos dê elementos para sua análise sem que, com isso, percamos sua beleza, sua originalidade, presentes em seu próprio movimento e daquele que busca conhecer. Aquele que conhece, por sua vez, interage com o objeto, do que decorre que se um rio nunca será o mesmo, também aquele que nele mergulha não sairá da mesma maneira que entrou. 
Do que dissemos decorre que o pretendido nas Ciências da Religião e no ER, ou mais propriamente no estudo da religião na escola, é a busca de uma epistemologia que nos permita essa aproximação da realidade e sua análise, mediante a utilização de categorias ou para além delas, de modo que se possa reconhecer a mobilidade daquilo que se conhece e daquele que conhece. Nesse exercício é que colocamo-nos para além de uma epistemologia normativa que, considerada a metáfora, retira a beleza do vôo.[3]
Todavia, importa destacar a necessidade de superação do simples encantamento com o vôo, que incidiria em simples opinião e não poderia constituir-se ciência. Por isso são necessárias as ferramentas, as categorias de análise que, em última instância, se flexíveis e declaradas, nos permitirão a aproximação da realidade e sua análise sem que se perca a sua beleza.
Do ponto de vista da ciência em geral, inclusive aquelas que tratam da religião, a redução como método é importante para a realização da pesquisa, haja vista a impossibilidade de abarcar o todo, contudo, como princípio, o reduzido não pode constituir-se no real. De outro lado, a verdade transita entre o dogmatismo e o ceticismo e, nem por isso, devemos desistir dela que, por sinal, sempre foi, é e será aquilo que move o conhecimento e, conseqüentemente, a ciência, o ensinar e todas as formas de crer.
Assim as questões que se colocam são:

Como podemos conhecer a realidade sem, para tanto, a mutilarmos, fragmentando-a?

Como conhecer o objeto Religião, do ponto de vista científico, sem, no entanto, desconsiderar sua essência fenomenológica?

Como o Estudo da Religião na escola (Ensino Religioso) pode tratar das instituições religiosas sem, no entanto, desconsiderar as experiências religiosas, sejam elas de afirmação ou de negação?


Referências Bibliográficas:


CÂNDIDO, Viviane C. Epistemologia da Controvérsia para o Ensino Religioso: aprendendo e ensinando na diferença, fundamentados no pensamento de Franz Rosenzweig. 2008. 412f. Tese (Doutorado em Ciências da Religião). Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. (Cf. pp. 151-152).

DENNETT, Daniel C. Quebrando o Encanto: a religião como fenômeno natural. Trad. Helena Londres. São Paulo: Globo, 2006.

ELZEY, Wayne. Mircea Eliade e a batalha contra o reducionismo. Trad. Augusto Reis. (Mimeo).

HANNOUN, Hubert. Educação: certezas e apostas. Trad. Ivone C. Benedeti. São Paulo: Fundação Editora da UNESP, 1998. (Encyclopaidéia)

ROSENZWEIG, Franz. El libro del sentido común sano y enfermo. Madrid: Caparrós Editores, 2ª. ed., 2001.
___________________. The Builders: Concerning the Law. In: ______ On Jewish Learning. Madison: The University of Wisconsin, 2002.

SMITH, Barbara Herrnstein. Crença e Resistência: a dinâmica da controvérsia intelectual contemporânea. Trad. Maria Elisa Marchini Sayeg. São Paulo: Editora UNESP, 2002.

VEGA RODRÍGUEZ, P. Frankensteiniana: La Tragedia del Hombre Artificial. Madrid: NeoMetropolis, Tecnos/Alianza Editorial, 2002.








[2] P. VEGA RODRÍGUEZ. Frankensteiniana: La Tragedia del Hombre Artificial, p. 135.
[3] Fazemos aqui referência à nossa tese de doutorado que buscou fundamentar epistemologicamente o estudo da religião na escola: Viviane C. CÂNDIDO. Epistemologia da Controvérsia para o Ensino Religioso: aprendendo e ensinando na diferença, fundamentados no pensamento de Franz Rosenzweig.


sexta-feira, 6 de junho de 2014

Estudo da religião na escola - Com A e Na Diferença



Em nossa última postagem “Sou diferente, penso e existo na escola”, apresentamos nossa conceituação dela como espaço/tempo de relações e apontamos a diferença como uma realidade e a dificuldade de conviver na diferença como um desafio. 


#EducaçãoeReligião


Neste texto, queremos avançar no sentido de apresentar possibilidades para uma Educação Na Diferença, no que concerne à escola, de maneira geral, e ao ER – Ensino Religioso (estudo da religião na escola), de maneira específica, indicando que, a partir daqui, caminharemos com Franz Rosenzweig, filósofo e teólogo do século XX, em busca da consideração da experiência como agente cognitiva porque portadora de significado para os educandos, em nosso caso, no campo religioso. 

Importa destacar, aliás, que vemos com estranheza a tendência a entender, como ideal, um ER distanciado da vida dos educandos, de suas experiências religiosas diretas, quando dentro de uma instituição religiosa, ou indiretas, em suas experiências individuais; por entender-se que essa é a fórmula para evitar o risco do proselitismo ou que o professor, em razão de sua experiência mesma, influencie seus alunos para o bem ou para o mal.[1]

Quer nos parecer que essa compreensão idealizada do ER pode estar na contramão da escola, visto que todas as outras disciplinas, nas últimas décadas, têm se ocupado em fazer com que seus conteúdos ganhem significação para o educando entendendo ser esta, aliás, a garantia de sua aprendizagem. Assim, estamos mais uma vez às voltas com as controvérsias, todavia, dessa vez, com um novo olhar, um novo pensamento e uma nova fala.

Pretendemos desenvolver os fundamentos para uma epistemologia para o ER que tenha, como pano de fundo a diferença e, como desafio, a consideração do conhecimento que emerge da tensão entre instituição e experiência religiosas, a qual, a nosso ver, poderá dar conta de abarcar as múltiplas experiências dos educandos e de seus educadores em seus múltiplos tons de cores. Esperamos fundamentar uma prática para o ER, coerente com esse novo olhar, esse novo pensar e esse novo falar, e que, em razão disto, possa superar as controvérsias, presentes na fundamentação e na prática pedagógica do ER, ao converter-se num novo agir. 

Ademais nos perguntamos com Hubert Hannoun, em seu livro Educação: Certezas e Apostas, no momento em que trata do pressuposto de que na educação será positiva a imagem do homem que irá ser formado "Mas em que se funda esse valor? Em torno de nós, os sistemas educacionais referem-se a normas de ordem teológica, política, “humanistas”, estéticas, etc. O que nos ajuda a distinguir, em termos de valor, o homem de Deus, o homem de partido, o homem do êxtase ou o homem, simplesmente?" (1998, p. 17).


#EducaçãoeReligião


[1] Lembrando que também esse bem e esse mal estão sujeitos ao lugar de quem olha: para um educador religioso o bem pode ser que seus alunos se tornem adeptos da religião dele (ainda que também essa possibilidade comporte um não, ou seja, há professores religiosos que não nutrem essa expectativa) e para um educador ateu, o bem consiste em que seus alunos o sejam (também comportando a possibilidade de um não, pelas mesmas razões dos religiosos) e ainda não evidenciamos o que seria o mal para cada um deles e as múltiplas possibilidades de aproximação e distanciamento. 

Referências bibliográficas:

CÂNDIDO, Viviane C. Epistemologia da Controvérsia para o Ensino Religioso: aprendendo e ensinando na diferença, fundamentados no pensamento de Franz Rosenzweig. 2008. 412f. Tese (Doutorado em Ciências da Religião). Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. (Cf. pp. 151-152).

HANNOUN, Hubert. Educação: certezas e apostas. Trad. Ivone C. Benedeti. São Paulo: Fundação Editora da UNESP, 1998. (Encyclopaidéia)

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quarta-feira, 28 de maio de 2014

Sou diferente - penso e existo na escola

Entendemos a escola como espaço e tempo de relações – espaço, fazendo menção a um lugar determinado, que é este e não outro; a escola específica, datada, murada, visível; tempo porque é passado, presente e futuro, é instante e de relações porque nela a vida que se vive junto acontece! Um espaço/tempo de relações, onde a diferença (a multiplicidade) é uma realidade em meio à qual, necessariamente, são constituídos os vínculos, para o bem ou para o mal, em que se dão as experiências.
 As relações se dão entre os diferentes e na diferença! Quando dizemos o diferente e na diferença estamos marcando duas situações, embora caminhem juntas. Ao dizermos o diferente referimo-nos ao outro, aquele que, simplesmente por ser outro já é diferente de mim; quando dizemos na diferença, fazemos referência à contingência, por exemplo, na escola os educandos estão imersos na diferença; especificamente nesse espaço/tempo estão em relação um eu e os outros, os quais, por serem outros e, portanto, diferentes, criam para esse eu um espaço/tempo na diferença.
Barbara Smith, em seu livro Crença e resistência: a dinâmica da controvérsia intelectual contemporânea alude a um problema ao qual teremos que dar maior atenção, a saber, a natural dificuldade que temos para aceitar e, mais ainda, conviver com o diferente, na diferença. Tal é a dificuldade, apontada por Smith, de considerar, individualmente, ou constituir, do ponto de vista teórico ou institucional, o que chamamos multiplicidade, em razão de nossas resistências às diferenças, seja do ponto de vista do indivíduo, seja numa perspectiva epistemológica:

Se aquilo em que acredito é verdadeiro, como o ceticismo ou a crença diferente de uma outra pessoa é possível? [...] uma tendência mais geral aqui, qual seja, “autoprivilégio epistêmico” ou “assimetria epistêmica”, isto é, nossa inclinação a pensar que acreditamos nas coisas verdadeiras e razoáveis em que acreditamos porque elas são verdadeiras e razoáveis, ao passo que outras pessoas acreditam nas coisas tolas e revoltantes em que acreditam porque há algo errado com elas. [...]. (SMITH, 2002, pp.17-18).

Note-se que não estamos tratando aqui apenas da diferença religiosa, aliás, temos como hipótese que, ao menos na escola, não é essa a diferença que mais importa para a vida que se vive juntos ali, mas tratamos dos diferentes magrinho e gordinho, dentes, sem dentes e dentes amarelados, com e sem óculos, cabelos lisos e encaracolados, com e sem posses, que pensam assim e de outro jeito, que gostam desse autor e não de outro, que aprendem ouvindo o professor ou lendo, e mais e mais, uma lista infinita de motivos para considerar o outro diferente e, portanto, passível de desconfiança nas relações e no conhecimento.
Martin Buber, em seu livro Sobre comunidade, ao pensar numa educação para a comunidade onde exista a “comunialidade”, ou seja, um estar juntos dinâmico, considerou que esta precisaria acontecer não sobre homens semelhantes e feitos, formados e ordenados de modo semelhante, mas sobre pessoas formadas e ordenadas diferentemente e que mantém uma autêntica relação entre si, considerando assim a diferença, a qual, como podemos constatar em nosso cotidiano, é inevitável. Partindo dessa diferença e da consideração da situação da humanidade contemporânea, Buber afirmou, como um dos sentidos da comunidade, a própria multiplicidade de pessoas e sua relação e apontou que a estrutura desta multiplicidade, por sua vez, não poderia reprimir ou impossibilitar a relação autêntica. (Cf. BUBER, 1987, pp. 87-88).
Por meio da realidade em que vivemos, cercados de exemplos cotidianos e diários de dificuldades para convivermos uns com os outros, a temática da diferença toma corpo e nos exige, de um lado, uma mudança de postura e, de outro, maior conhecimento para nos convencermos, nós e os outros, de que é na diferença que a vida acontece e pode, inclusive, ser mais rica! Barbara Smith e Martin Buber são sugestões de leituras para esse fim...

Referências Bibliográficas:

BUBER, Martin. Sobre Comunidade. Trad. Newton Aquiles Von Zuben. Seleção e introdução de Marcelo Dascal e Oscar Zimmermann. São Paulo: Editora Perspectiva, 1987. 
CÂNDIDO, Viviane C. Epistemologia da Controvérsia para o Ensino Religioso:  aprendendo e ensinando na diferença, fundamentados no pensamento de Franz Rosenzweig. 2008. 412f. Tese (Doutorado em Ciências da Religião). Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. 
SMITH, Barbara Herrnstein. Crença e Resistência: a dinâmica da controvérsia intelectual contemporânea. Trad. Maria Elisa Marchini Sayeg. São Paulo: Editora UNESP, 2002.




quarta-feira, 14 de maio de 2014

Se as religiões não dialogam, será que seu estudo pode promover o diálogo?

Tratando de Educação e Religião, como tema principal, pois entendemos que as questões religiosas estejam impregnadas na vida escolar, uma vez que fazem parte da experiência de alunos, pais e professores, nos deparamos também com as questões do ER - Ensino Religioso. Uma delas é a justificativa da presença dessa disciplina na escola como sendo um espaço para o diálogo entre as diferentes confissões religiosas. A questão é que se as religiões não dialogam, será que seu estudo pode promover o diálogo?
No que concerne ao ER, a proposição de reverência às crenças alheias parece muito distante da realidade, aparentemente impossível de se realizar concretamente. Segundo elas mesmas, todas as religiões originam-se do amor. Mas vejamos o que nos diz Daniel Dennet em seu Quebrando o encanto: a religião como fenômeno natural: “O fato de tanta gente amar suas religiões, tanto quanto ou mais do que qualquer outra coisa na vida, é realmente um fato a ser ponderado. Eu estou inclinado a achar que nada poderia ter mais importância do que aquilo que as pessoas amam. [...] O amor é cego, como se diz, e como o amor é cego, muitas vezes leva à tragédia: há conflitos nos quais um amor é jogado contra outro amor, e alguém tem que ceder, com sofrimento garantido em qualquer resolução”. (2006, p. 269)
Como vimos, Dennett aponta para o risco a que uma visão distorcida do amor, no que concerne ao campo religioso, pode nos conduzir, ou seja, aos fanatismos e fundamentalismos religiosos, conforme será demonstrado ao longo de sua obra e ao que chamará de formas cada vez mais tóxicas de religião.
Também os PCNER – Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Religioso, tratando da tradição religiosa e da construção da paz, reconhecem que “Lamentavelmente, o que predomina no mundo é o fanatismo que se propaga nas mais diversas esferas, agindo e apelando sempre para  o Transcendente, a Fé, a História e a Justiça Universal, a fim de legitimar seus direitos irrestritos e a supressão dos direitos do outro. Portanto, o não reconhecimento do outro sustenta a atitude de fanáticos e idealistas”. (FONAPER, 1997, p. 20). 
Dessa compreensão decorre a proposta para o ER:  “O Ensino Religioso necessita cultivar a reverência, ressaltando pela alteridade que todos são irmãos. [...] Só então a sociedade irá se conscientizando de que atingirá seus objetivos desarmando o espírito e se empenhando, com determinação, pelo entendimento mútuo”. (p. 20-21). Vamos às controvérsias:
Nos PCNER, o objetivo é cultivar a reverência via reconhecimento da alteridade, de modo a desarmar o espírito pelo entendimento mútuo. O eixo, que possibilitará a passagem dessa intencionalidade para a prática pedagógica, especificamente, os conteúdos, é a moral humana entendida como o sentido do ser, formado na percepção de valores. A alteridade será contemplada mediante o relacionamento com o outro; os valores e limites serão compreendidos a partir da compreensão dos valores e limites internos às diferentes tradições religiosas. Parece-nos que há controvérsias quanto a esse deslocamento do indivíduo para a instituição religiosa, pois, na escola, se tratarmos das Tradições/instituições religiosas, ao contrário da tolerância, traremos à baila as questões internas à essas instituições e que são aquelas que, justamente, inviabilizam o diálogo entre elas. Os valores e a moral são muito diferentes dentro das diferentes propostas religiosas.
Tomemos, como exemplo, a perspectiva do cristianismo abordado no eixo moral humana. Chegando aos conteúdos teremos que trabalhar, para sermos fiéis ao ponto de vista da instituição, os valores e limites intrínsecos ao cristianismo, claramente expostos pela Doutrina Social da Igreja, do que decorre que estamos no lugar apontado pelo Grupo do Não (em nossa dissertação de mestrado acerca das fontes do Ensino Religioso, chamamos assim os articulistas do jornal Folha de São Paulo e O Estadão, que se manifestaram contrários à implantação do ER, neste estado, no momento da publicação da Deliberação CEE 16/2001). Para esse grupo, tratar de valores e limites do ponto de vista de uma instituição religiosa é tocar em questões importantes, do ponto de vista da experiência e da vida dos educandos, mediados por uma perspectiva necessariamente normativa, e assim será seja qual for a religião tomada como ponto de partida.
Se, de outro lado, ainda segundo os PCNER, considerarmos o fenômeno religioso, consequentemente, mais propriamente a experiência religiosa, como o ER poderá ser capaz de estabelecer significados, uma vez que, da maneira como está ali proposto, corre o risco de permanecer na descrição dos fenômenos? Como estabelecer significados para a vida pessoal dos educandos e, conseqüentemente, para a vida que vivem juntos, ou seja, suas relações no espaço/tempo da escola? Por último, apresentamos os objetivos da disciplina:

Proporcionar o conhecimento dos elementos básicos que compõem o fenômeno religioso, a partir das experiências religiosas percebidas no contexto do educando; subsidiar o educando na formulação do questionamento existencial, em profundidade, para dar sua resposta devidamente informado; analisar o papel das tradições religiosas na estruturação e manutenção das diferentes culturas e manifestações sócio-culturais; facilitar a compreensão do significado das afirmações e verdades de fé das tradições religiosas; refletir o sentido da atitude moral, como conseqüência do fenômeno religioso e expressão da consciência e da resposta pessoal e comunitária do ser humano; possibilitar esclarecimentos sobre o direito à diferença na construção de estruturas religiosas que têm na liberdade o seu valor inalienável. (FONAPER, 1997, pp.30-31).

            E ainda: “Entende-se o conhecimento religioso, mesmo revelado, como um conhecimento humano. É a reflexão a partir do conhecimento que possibilita uma compreensão do ser humano como finito. É na finitude que se procura fundamentar o fenômeno religioso, que torna o ser humano capaz de construir-se na liberdade. (p.21). Questões mais específicas: o conhecimento revelado como conhecimento humano suporia crença na revelação? Se a compreensão da finitude é a raiz do fenômeno religioso, como ficam os não-crentes? Extrapolando um pouco: a instituição religiosa é, necessariamente ou somente, o lugar em que se dá o fenômeno religioso? Lendo os conteúdos propostos parece que não, mas de outro modo, a experiência religiosa necessária somente está contida na instituição ou na experiência que esta possibilita ao crente? E a experiência do não-crente? Se é o fenômeno religioso que torna o ser humano capaz de constituir-se na liberdade, as experiências fundamentalistas não são fenômenos religiosos? Há um critério para a definição de bons e maus fenômenos religiosos?
            Segundo os PCNER: “Todo o conhecimento humano torna-se patrimônio da humanidade. A sua utilização, porém, depende de condições sociais e econômicas bem como das finalidades para as quais são utilizados. Nem todo conhecimento é de interesse de todos. Um conhecimento político ou religioso pode não interessar a um grupo, mas, uma vez produzido, é patrimônio humano e como tal deve estar disponível. (p.22).
Especificamente, se a utilização do conhecimento depende de condições sociais e econômicas e das finalidades de sua utilização, estamos admitindo a perspectiva utilitarista como lente para leitura de mundo, de Deus e do homem? De maneira mais geral, o conhecimento, sob esse prisma, utilitarista, não poderia ser uma ou A fonte de cientificismos e fundamentalismos de todos os tipos? Ainda especificamente, estamos privilegiando o social, inclusive, acreditando-o determinante? Se o conhecimento político ou religioso pode não interessar a um grupo, quais os critérios para definirmos sua apresentação nas aulas de ER? De que forma o conhecimento político, perguntando-se antes por seu significado, interessa às aulas de ER?
            “Por questões éticas e religiosas, e pela própria natureza da Escola, não é função dela propor aos educandos a adesão e vivência desses conhecimentos, enquanto princípios de conduta religiosa e confessional, já que esses são sempre propriedade de uma determinada religião”.  (FONAPER, 1997, p. 22). Quais são as questões religiosas que indicam que não é função da escola propor aos educandos a adesão e vivência desses conhecimentos - os religiosos? Alguma religião será tomada como critério? Qual? O que significa vivenciar conhecimentos?
Em termos de referenciais, considerados a partir das Ciência(s) da(s) Religião(ões), constatamos que a perspectiva teórica do Fórum, que é a da fenomenologia da religião, exige, por sua vez, um aprofundamento do que entendemos por sagrado, bem como do que entendemos por religião. O cuidado epistemológico consiste em discutir e delinear esse conceito, ter consciência de sua amplitude e diferentes compreensões. Sobre o conceito religião pesa ainda a questão do sentido, assim os conceitos são produzidos a partir da experiência das pessoas e experiência também é algo sobre o que refletir.
Discutir religião e experiência tem somente uma grande razão – e que ao mesmo tempo justifica sua necessidade, a de que esses dois termos são julgados compreensíveis e compreendidos em vários ambientes, inclusive pelo senso comum, do que decorre a certeza de que portam indefinições e ambigüidades. O contraponto de teorias que os definem torna-se necessário e obrigatório para a superação do senso comum e mesmo das pseudocertezas das ciências. Aspecto importante na compreensão do termo religião é considerá-lo como um termo acadêmico, uma categoria sem existência independente, criada para análise. Contudo, não podemos perder de vista o risco deste afastamento da concretude que tornaria a teoria religiosa definitivamente afastado da prática religiosa, da experiência. Se a compreensão da religião estiver afastada da experiência, como torná-la portadora de sentido, significado ou algo que o valha? Talvez seja especificamente esta a questão que se coloca para o ER.

Referências bibliográficas:

CÂNDIDO, Viviane Cristina. O Ensino Religioso em suas Fontes: uma contribuição para a epistemologia do ER. 2004. 173 f. Dissertação (Mestrado em Educação). Uninove, São Paulo.
_________________________. Epistemologia da Controvérsia para o Ensino Religioso: aprendendo e ensinando na diferença, fundamentados no pensamento de Franz Rosenzweig. 2008. 412 f. Tese (Doutorado em Ciências da Religião). Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.
DENNETT, Daniel C. Quebrando o Encanto: a religião como fenômeno natural. Trad. Helena Londres. São Paulo: Globo, 2006.
FÓRUM NACIONAL PERMANENTE DO ENSINO RELIGIOSO - FONAPER. Parâmetros Curriculares Nacionais – Ensino Religioso. São Paulo: Ave Maria, 1997.

terça-feira, 30 de outubro de 2012


Educar à moda antiga pode ser a salvação...

Em termos de Educação, os dias de hoje tem uma particularidade: 
preferimos não educar...
Pais e professores preferem agradar filhos e alunos...
Agradar nunca educa porque educar significa, muitas vezes, dizer não...

O texto abaixo, publicado no Caderno Ilustrada, da Folha de São Paulo, desta segunda 29/10, é ilustrativo destas reflexões!!! Boa leitura!!!


A filosofia de lavar a louça

LUIZ FELIPE PONDÉ

Fala-se muito de como o "Primeiro Mundo é isso e aquilo". Acho isso papo de vira-lata. Toda vez que você ouvir alguém falando que a Europa "é outra coisa", você está diante de um vira-lata rondando a lata de lixo dos outros. A mesma coisa vale para os EUA, ainda que, nesse caso, vira-latas de esquerda jamais elogiem os EUA, mesmo que comprem iPads lá.

Mas independentemente dessa breguice de vira-lata querendo fingir que entende de vinhos, há um detalhe na vida europeia e norte-americana que vale a pena discutir: a vida doméstica e suas tarefas.

Mas, sintomaticamente, os vira-latas nunca falam disso, porque a própria condição de vira-lata os impede de entender ou mesmo enxergar esse detalhe. O sonho do vira-lata é fingir que é llhasa apso e por isso acha que ser um llhasa é desfilar bolsa Prada no JK Iguatemi.

O Brasil é terra de atrasado, corrupto, esculhambado, inculto, novo rico e por aí vai. Tudo isso é verdade. A prova disso é que aqui luxo é ostentação. Suspeito que grande parte do que há de fato de bom na Europa e nos EUA em termos de hábitos e costumes (portanto, estamos falando de moral) se deve ao fato de que nesses lugares as pessoas se movimentam de modo diferente no cotidiano das suas tarefas.

Sempre ouvi os mais velhos dizerem que "o costume de casa vai à praça" e isso é a mais pura verdade. Além de fazerem sexo melhor, suspeito também que os mais velhos entendiam bem melhor do que é essencial, principalmente porque não tinham essa parafernália de ideologia e outros quebrantos bobos como ferramenta de análise do mundo.

Eles observavam a vida sem a presunção de ter descoberto a chave do mundo, como nossos contemporâneos viciados em "teorias de gabinete", como dizia Edmund Burke.

Lembro-me bem que minha filha, chegada à França com cerca de dois anos de idade, chorava porque não podia lavar louça como meu filho, seu irmão, mais velho do que ela nove anos. Isso é sintomático de muitos outros pequenos detalhes: para ela, lavar a louça era parte de ser da família. Meu filho, minha mulher e eu partilhávamos todo o cuidado com a vida cotidiana, inclusive o cuidado com a caçulinha.

Em países como a França, Alemanha, Israel, EUA e outros semelhantes, você é responsável por tudo que acontece na sua casa. Roupa, comida, limpeza, compras, resolução de pequenos problemas logísticos, enfim, da sustentação da vida.

As casas (menos nos EUA, mas ainda assim a ocupação de espaço é diferente da nossa) são menores e mais simples, mesmo que com mais parafernália tecnológica, quando você tem condição de tê-la.

O que me chama atenção em relação às casas não é só seu tamanho, mas a ocupação do espaço. No Brasil temos a famosa sala de visita que, se você "está bem de vida", deve ser completamente inútil e parecer desocupada. Por isso, sempre suspeito que manter uma parte da casa sem uso é signo de vira-lata.

As aristocracias antiga e medieval, as únicas verdadeiras, também não tinham castelos sem uso. Burguês, e aristocracia falida, com "castelo" na zona leste ou nos Jardins é coisa de "wannabe", como dizem meus alunos.

Goethe, em seu maravilhoso "Os Anos de Aprendizado de Wilhelm Meister", descreve o que é a casa de um burguês: ter mais coisas do que precisa e não ter uma relação de uso e necessidade real com os objetos da casa.

Este é o caso. Uma sala de visitas imaculada faz você parecer rico o bastante para manter parte da sua casa sem uso e, com isso, você trai sua breguice burguesa. Acho que grande parte de nossas agruras vem do fato de que não lavamos louça com frequência e de que temos cômodos dissociados de nosso cotidiano e necessidades.

Basílio Magno (século 4) criou a regra da vida monástica: estudar, contemplar, trabalhar. Uma atividade alimenta a outra, e as três formam o espírito. A sabedoria monástica é uma das maiores criações do espírito humano.

Entre nós, dar "tudo" para os filhos até os 40 anos de idade é signo de sermos bons pais. E com isso preparamos adultos retardados e com futuras salas de visita cheias de fantasmas de nossa pobreza de espírito.

segunda-feira, 10 de setembro de 2012

Contamos com sua presença!!!





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