terça-feira, 15 de julho de 2014

Estudo da Religião na escola: Entre o crer e não crer, ensinar e aprender religião - Parte I

Estudo da Religião na escola: Entre o crer e não crer, ensinar e aprender religião
Viviane Cristina Cândido[1]

[...] quem é o homem? O cyborg é o produto último da forma como a pós-modernidade enfrenta o problema da vida,  de 
sua vontade de superar a realidade e transformá-la em impulsos do desejo subjetivo. Se não sabemos responder a tempo a
pergunta da esfinge é possível que nada mais tenha importância. Vega Rodríguez[2]


A educação do século XXI necessita superar antigas visões e abrir-se a compreensões mais amplas, capazes de dar conta dos educandos reais e em relação, presentes no contexto de nossas escolas e suas salas de aula. Para tanto, necessita buscar um olhar filosófico - de quem se interroga acerca das coisas pré-estabelecidas, que resulte na constituição de seus fundamentos.
Tendo em vista que essa busca por seus fundamentos pretende dar conta da realidade da escola, expressa na relação de educandos reais, em seu sendo - no sentido de um acontecendo, será  absoluta e igualmente necessário considerar que educandos e educadores alternam entre a posição de criaturas e de criadores, de crentes e descrentes, no sentido afirmado por Hubert Hannoun, que ao lado de autores como Daniel Dennett (2006) e Barbara Smith (2002), apontam que fé e crença não são pressupostos apenas da religião:

Pode-se assim afirmar que todo educador assume uma das duas atitudes possíveis: é crente ou descrente. [...] Quer esses valores se insiram numa abordagem teológica do mundo, de respeito aos direitos humanos com ou sem Deus, de um ideal político ou de uma visão da evolução geral do cosmos, o princípio inicial é proposto e reivindicado num ato de fé. [...] É sobre tal princípio – cujo caráter ao mesmo tempo absoluto e evolutivo já ressaltamos, que esse crente constrói seu comportamento de homem e de educador. Ele pensa e age a partir daquilo em que crê. (HANNOUN, 1998, PP. 84-85).

Aproximando-nos do pensamento de Franz Rosenzweig (1886-1929), compreendemos a realidade como, invariavelmente, multifacetada. Dela nos aproximamos e é necessário que tenhamos consciência da impossibilidade de dela nos apropriar, por seu caráter ora mutante ora cambiante, do que decorre que, se por acaso dela pudéssemos nos apropriar, já não a teríamos assim que tal apropriação acontecesse. Nas palavras de Heráclito, um rio nunca será o mesmo. Aurélio Buarque de Holanda, assim escreveu na introdução ao seu dicionário homônimo: “definir uma palavra é capturar uma borboleta no ar”. De nossa parte, consideramos que capturada a borboleta perdemos sua beleza, a beleza de seu vôo e, dessa forma, não mais temos a borboleta nem o traço de seu vôo.
Para nós, para fazer ciência e ensinar é preciso que se trave um sério exercício que permita nossa aproximação da realidade e nos dê elementos para sua análise sem que, com isso, percamos sua beleza, sua originalidade, presentes em seu próprio movimento e daquele que busca conhecer. Aquele que conhece, por sua vez, interage com o objeto, do que decorre que se um rio nunca será o mesmo, também aquele que nele mergulha não sairá da mesma maneira que entrou. 
Do que dissemos decorre que o pretendido nas Ciências da Religião e no ER, ou mais propriamente no estudo da religião na escola, é a busca de uma epistemologia que nos permita essa aproximação da realidade e sua análise, mediante a utilização de categorias ou para além delas, de modo que se possa reconhecer a mobilidade daquilo que se conhece e daquele que conhece. Nesse exercício é que colocamo-nos para além de uma epistemologia normativa que, considerada a metáfora, retira a beleza do vôo.[3]
Todavia, importa destacar a necessidade de superação do simples encantamento com o vôo, que incidiria em simples opinião e não poderia constituir-se ciência. Por isso são necessárias as ferramentas, as categorias de análise que, em última instância, se flexíveis e declaradas, nos permitirão a aproximação da realidade e sua análise sem que se perca a sua beleza.
Do ponto de vista da ciência em geral, inclusive aquelas que tratam da religião, a redução como método é importante para a realização da pesquisa, haja vista a impossibilidade de abarcar o todo, contudo, como princípio, o reduzido não pode constituir-se no real. De outro lado, a verdade transita entre o dogmatismo e o ceticismo e, nem por isso, devemos desistir dela que, por sinal, sempre foi, é e será aquilo que move o conhecimento e, conseqüentemente, a ciência, o ensinar e todas as formas de crer.
Assim as questões que se colocam são:

Como podemos conhecer a realidade sem, para tanto, a mutilarmos, fragmentando-a?

Como conhecer o objeto Religião, do ponto de vista científico, sem, no entanto, desconsiderar sua essência fenomenológica?

Como o Estudo da Religião na escola (Ensino Religioso) pode tratar das instituições religiosas sem, no entanto, desconsiderar as experiências religiosas, sejam elas de afirmação ou de negação?


Referências Bibliográficas:


CÂNDIDO, Viviane C. Epistemologia da Controvérsia para o Ensino Religioso: aprendendo e ensinando na diferença, fundamentados no pensamento de Franz Rosenzweig. 2008. 412f. Tese (Doutorado em Ciências da Religião). Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. (Cf. pp. 151-152).

DENNETT, Daniel C. Quebrando o Encanto: a religião como fenômeno natural. Trad. Helena Londres. São Paulo: Globo, 2006.

ELZEY, Wayne. Mircea Eliade e a batalha contra o reducionismo. Trad. Augusto Reis. (Mimeo).

HANNOUN, Hubert. Educação: certezas e apostas. Trad. Ivone C. Benedeti. São Paulo: Fundação Editora da UNESP, 1998. (Encyclopaidéia)

ROSENZWEIG, Franz. El libro del sentido común sano y enfermo. Madrid: Caparrós Editores, 2ª. ed., 2001.
___________________. The Builders: Concerning the Law. In: ______ On Jewish Learning. Madison: The University of Wisconsin, 2002.

SMITH, Barbara Herrnstein. Crença e Resistência: a dinâmica da controvérsia intelectual contemporânea. Trad. Maria Elisa Marchini Sayeg. São Paulo: Editora UNESP, 2002.

VEGA RODRÍGUEZ, P. Frankensteiniana: La Tragedia del Hombre Artificial. Madrid: NeoMetropolis, Tecnos/Alianza Editorial, 2002.








[2] P. VEGA RODRÍGUEZ. Frankensteiniana: La Tragedia del Hombre Artificial, p. 135.
[3] Fazemos aqui referência à nossa tese de doutorado que buscou fundamentar epistemologicamente o estudo da religião na escola: Viviane C. CÂNDIDO. Epistemologia da Controvérsia para o Ensino Religioso: aprendendo e ensinando na diferença, fundamentados no pensamento de Franz Rosenzweig.