segunda-feira, 6 de junho de 2011

Torcida contra versus a bola da vez

Viviane Cristina Cândido


A bola da vez é a Educação, mais especificamente, a educação que acontece na escola. Torcida contra é a matéria publicada hoje na Folha de São Paulo, assinada por Antônio Góis que parte do dado revelado pelo economista Ernesto Martins, a partir do questionário da Prova Brasil de que  “Apenas 38% dos professores que dão aulas para alunos mais pobres no ensino fundamental da rede pública dizem acreditar que quase todos os estudantes concluirão o ensino médio”. Ainda segundo a matéria “De um lado, os professores podem simplesmente estar sendo realistas e, de outro, “A descrença na capacidade de muitos alunos completarem o ensino médio pode, no entanto, tornar-se uma profecia autorrealizadora”.

É impossível não chamarmos a atenção para o vocabulário religioso empregado até aqui (motivo pelo qual, aliás, entendemos que devemos estudar religião na escola. Temos aqui a comprovação inequívoca de que os conceitos advindos da experiência religiosa são usados em campos não religiosos, comprovando como é tênue a linha, se é que ela existe, que divide o secular e o religioso).

Depois, tudo é atestado por uma pesquisa: “O fenômeno foi estudado pelos pesquisadores americanos Robert Rosenthal e Lenore Jacobson, que provaram que a expectativa dos professores tinha impacto no desempenho dos alunos”. A partir daqui o argumento se torna irrefutável, a falta de crença dos professores se confirma pela realidade dos fatos e a crença na ciência visa mostrar os limites da profecia dos professores, afinal, experiências com professores e alunos em laboratório, assim parece, mostraram que se os professores acreditarem mais nos alunos, estes concluirão o ensino médio. Interessante o fato de ainda afirmarem que crença e fundamentalismo sejam questões religiosas. Vale apontar aqui a ampliação desses conceitos em autores como Barbara Smith (2002) e Daniel Dennett (2006).

Na sequencia, a matéria cita que para Ernesto Martins "O fracasso do aluno deveria ser encarado também como fracasso do professor e da escola". Esse é um momento edificante da vida democrática: depois da confissão de fé, que deve ser corrigida para “acreditamos” que nossos alunos concluirão o ensino médio, a culpa pelo eventual fracasso, que só acontecerá se a fé for pequena, devemos dividir entre o professor e a escola, ao deus-estado não cabem culpas. Aqui chamo para interlocução a professora Amanda Gurgel...

Finalmente, a matéria cita Mozart Neves Ramos, conselheiro do movimento Todos pela Educação e membro do Conselho Nacional de Educação, que compara o professor ao médico que deve acreditar na cura do paciente em estado grave e se esforçar para “salvá-lo” e a docente do Instituto de Psicologia da USP, Maria Helena Souza Patto que explica que, “com uma visão negativa dos alunos, educadores se relacionam com eles de modo a confirmar as expectativas de que serão incapazes de aprender”.

É curioso como a medicina e a psicologia são invocadas de seus lugares sagrados diante da necessidade de “resolver” um problema educacional, talvez esteja na hora de repensar esse caráter salvífico dessas ciências. Se os professores não acreditam na aprendizagem dos seus alunos, a maioria dos médicos e psicólogos não acredita na cura dos seus pacientes. Para além disso, a questão não diz respeito a acreditar ou não e sim de querer ou não, de fazer ou não, de ter condições para fazer ou não.

No mais, no que concerne à maioria, vale lembrar Schopenhauer em El arte de envejecer (2010)  “Cada herói é um Sansão: o forte sucumbe às intrigas dos débeis e numerosos”. Quanto ao fracasso vale lembrar que para o epistemólogo Jean Piaget o processo de aprendizagem só é possível por meio do desafio imposto pela necessidade de adaptar-se ao ambiente, do que decorre que, do ponto de vista da filosofia da educação, há de se discutir o que representa o fracasso na aprendizagem e, do ponto de vista da vida como ela é, lembrar que fracassamos em quase todos os nossos intentos, quase todos os dias, sucumbindo à nossa própria condição.

Mas é sob o título de “soluções” que temos o mais interessante. “Ter como objetivo que todos aprendam sem discriminar os de menor desempenho é uma característica de países com bons indicadores educacionais, segundo relatório da consultoria McKinsey divulgado em 2007. O estudo mostrou que países como Canadá, Finlândia, Japão, Cingapura e Coreia do Sul identificam alunos com maior dificuldade, agindo imediatamente para que eles não fiquem para trás”. A controvérsia reside na afirmação de que a escola deve objetivar que todos aprendam sem discriminações, então deixou de ser um problema de crença nos alunos e nas ciências e passou a ser um problema de crença na democracia, na igualdade de todos na hora de aprender ou na possibilidade de igualar os alunos em desempenho.

De outro lado, seguindo esse mesmo estudo trata-se de identificar os alunos com dificuldade e agir imediatamente e o exemplo de ação vem da Escola Municipal Bartolomeu Lourenço de Gusmão, em Vila Nova Isabel, zona leste de São Paulo na qual, segundo a diretora Rosália Hungaro, “uma das estratégias para que todos aprendam é a divisão das turmas em duplas, para que alunos mais avançados interajam com os de pior desempenho. Dessa forma, a escola tenta evitar que se formem grupos de bons alunos que sentam na frente da sala, enquanto os menos interessados acabam recebendo menos atenção do professor”.

Dessa forma, a responsabilidade para com a aprendizagem de todos sai das mãos do Estado, da direção e coordenação da escola, dos professores e vai para as mãos dos alunos, colegas de turma e melhores em desempenho. Esses sim devem acreditar, no final das contas, que seus colegas em igual situação de pobreza e que aprendem menos ingressarão no ensino médio...

Confesso, já que tudo aqui é tão religioso, que quero voltar à escola antiga, quero lembrar Demerval Saviani (1997) para quem a escola é lugar para aprender a ler, escrever e contar. Tudo o mais me é absolutamente estranho...


Confira ainda, também na Folha de São Paulo de hoje o artigo do professor Dr. Luiz Felipe Pondé, na ilustrada.

Um comentário:

  1. Parabéns fessora, isso sim é uma crítica construtiva ao embromation do pseudo-construtivismo no Brasil!

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